Papilomavírus humano – uma síntese
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- 22 de ago.
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Autor: José Ribamar dos Santos Ferreira JúniorUniversidade de São PauloEscola de Artes, Ciências e Humanidades (USP-Leste)
Aspectos gerais
O papilomavírus humano (HPV) possui DNA como molécula replicadora e apresenta mais de 100 sorotipos. Seu alvo são as células-tronco adultas localizadas na camada basal do epitélio. O HPV é transmitido por contato direto via microferida ou abrasão, sendo doença sexualmente transmissível. Após o contato, o vírus pode incubar-se nas células basais de 1 a 20 meses (média de 3 meses), quando então começa sua proliferação. Durante o curso da replicação viral podem surgir fenótipos bem claros de sua presença (condiloma acuminado – verrugas genitais) e isso pode levar a complicações como câncer de colo uterino (causado por 15 sorotipos), papiloma de laringe em imunodeprimidos e em lactentes, após passagem pelo canal de parto. O risco de câncer é baixo para verrugas genitais, mas é alto na manifestação subclínica ou latente, quando a doença produz neoplasia interepitelial cervical que pode evoluir para câncer cervical – a terceira causa mais comum de câncer na mulher em todo mundo.
Fatores re-risco
Os fatores de risco para infecção por HPV incluem i) múltiplos parceiros sexuais, ii) sexo em idade precoce, iii) sexo sem preservativos frequentemente (a eficácia dos preservativos contra o HPV é de 70%, porque ainda há contato dos fluidos com a pele), iv) histórico de infecções transmitidas sexualmente e v) tabagismo (mais de 10 cigarros por dia em homens e mais de 20 em mulheres).
Diagnóstico
O HPV pode ser detectado em três formas: clínica, subclínica e latente. Na forma clínica observam-se as verrugas genitais, causadas pela excessiva proliferação das células-tronco do epitélio basal. Na infecção subclínica deve-se realizar biópsia com colposcópio e procurar pelo efeito citopático característico com auxílio de microscópio de campo claro (células multinucleadas, indicando fusão celular). A manifestação latente só é detectada por métodos moleculares como a reação em cadeira da polimerase (PCR, do inglês Polymerase Chain Reaction), que amplifica o HPV-DNA, o qual é visualizado em eletroforese em gel de agarose. Se não há efeito citopático visível, a banda de DNA visualizada é evidência de que o DNA do vírus integrou-se no genoma das células basais e isso pode levar ao câncer cervical.

O câncer cervical pode ser descrito pelo história natural de seu progresso no epitélio basal. Em geral, quando a mulher é jovem (por volta dos 20 anos) e tem contato com o HPV, seu epitélio basal é infectado e pode haver infecção do colo do útero. Neste momento, pode-se detectar anomalias citológicas leves (fusão celular) , as quais sofrem depuração pelo sistema imune. Instalado no genoma das células do epitélio basal, o vírus permanece latente por cerca de 10 a 20 anos, quando progride para pré-câncer (que raramente sofre depuração). A multiplicação descontrolada dessas células leva à neeoplasia invasiva e formação de lesão displásica (pré-câncer), que evolui para câncer. Em geral, o momento mais adequado para se realizar diagnóstico do pré-câncer é dos 30 aos 40 anos de idade; logo,mulheres que foram diagnosticadas com verrugas genitais na fase jovem da vida devem fazer exames periódicos neste período.
Formas de evasão do sistema imuneA maioria dos indivíduos infectados por HPV desenvolvem anticorpos que depuram a infecção, mas o vírus dispõe de várias estratégias para escapar do sistema imune: i) o HPV não é um vírus citolítico e isso reduz a resposta inflamatória, ii) o genoma viral codifica proteínas que impedem a resposta antiviral do interferon do tipo I, iii) como os queratinócitos infectados não liberam citocinas, não há ativação das células Langerhans que rastreiam as camadas do epitélio, iv) o vírus produz proteínas que interrompem o tráfego intracelular de vesículas que enviam o complexo MHC tipo I para a membrana plasmática e isso permite o escape da ação das células T citotóxicas CD8+; as células matadoras naturais estão em quantidade extremamente reduzida acima da membrana basal, onde residem as células-tronco adultas dos queratinócitos, e, finalmente, v)a localização em região avascularizada facilita a evasão e aumenta inacessibilidade das células do sistema imune.
TratamentoO tratamento do HPV pode ser realizado por métodos químicos e métodos físicos. Os métodos químicos incluem cauterização com ácido tricloroacético (80-90%) ou aplicação de podofilina (10-20%). A podofilina é obtida de extrato de plantas como Podophyllum peltatum e Podophyllum emodi; ela interfere na replicação celular e por isso é não deve ser utilizada durante a gravidez, por ter ação teratogênica. De fato, nenhum método químico é recomendado a gestantes, que são tratadas de infecção por HPV usando-se métodos físicos (criocauterização ou eletrocauterização com bisturi elétrico – este último método requer muita cautela no uso, porque há evidência de indução de aborto em casos raros).
A infecção por HPV e o câncer cervical podem ser prevenidos através de vacinas, com esquema de vacinação 0, 1, 2 e 6 meses, contra os sorotipos 16 e 18, que mais causam câncer. Um estudo clínico duplo cego longitudinal (acompanhamento de 11,3 anos), realizado com 91 participantes de 15 a 21 anos de idade, mostrou que a incidência cumulativa de infecção do grupo tratado com a vacina (HPV16/18) não ultrapassou 4% em comparação ao grupo placebo que chegou a 29%.
O HPV é um vírus cuja vacina é altamente recomendada, dada as consequências devastadoras de um câncer cervical altamente invasivo. Sua manifestação mais comum (condiloma acuminado)é tratável e sinaliza para acompanhamento da infecção latente por vários anos. A disseminação das informações sobre transmissão, diagnóstico, tratamento e vacinação poderão trazer benefícios a inúmeras mulheres da população brasileira.
Consulta bibligráfica
Juckett G, Hartman-Adams H. (2010) Human papillomavirus: clinical manifestations and prevention. Am Fam Physician 82:1209-1214.Teixeira, CSC; Teixeira, JC; Oliveira, ERZM; Machado HC e Zeferino, LC (2017) Detection of High-Risk Human Papillomavirus in Cervix Sample in an 11.3-year Follow-Up after Vaccination against HPV 16/18. Rev Bras Ginecol Obstet. 39:408-414. doi: 10.1055/s-0037-1604133.




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